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segunda-feira, 26 de novembro de 2012

PATRIMÔNIO HISTÓRICO SOB A SOMBRA DO ESQUECIMENTO.




Prédios importantes para a história da cidade não são visitados por falta de incentivo e pela má conservação

No próximo dia 15 de dezembro começa a alta estação. Embora ainda não haja previsão de quantos turistas estarão em Fortaleza no período, a ocupação dos hotéis no último feriado, da Proclamação da República, foi de mais de 90%. Se o turista optar por fazer um roteiro histórico ou cultural, o que existe para ser visto? E o que realmente pode ser visitado, sem riscos de assaltos ou outros danos para quem for até lá?


Farol do Mucuripe, construído no século XIX, no Serviluz, não é mais visitado pelos turistas FOTO: NATASHA MOTA

A equipe do Diário do Nordeste visitou 11 locais importantes na história da cidade, não só no Centro, mas também no Benfica, Mucuripe e Aldeota e constatou que vários desses bens não contam com estrutura para receber os visitantes.

A começar pelo serviço de informações turísticas, de responsabilidade da Secretaria do Turismo do Estado (Setur) e Secretaria de Turismo de Fortaleza (Setfor), que é ineficiente. Ao ligar para o serviço é possível perceber o despreparo dos funcionários. Na lista fornecida, não são indicados os mesmos equipamentos culturais e ainda são recomendados espaços que não contam com programação fixa, como o Centro de Eventos.

Na Casa do Turista da Avenida Beira-Mar, foi sugerido à equipe de reportagem visitar o Mercado Central, o Centro de Turismo, o Dragão do Mar e a Igreja "ao lado do Mercado Central", que é a Catedral da Sé, mas que não foi identificada pela pessoa que atendeu às ligações.

Ao contactar o posto de informações da Praça do Ferreira, a funcionária indicou, primeiro, um museu, que ela admitiu não saber o nome e, logo após, a ligação caiu. Quando a equipe tentou pela segunda vez, foi sugerido o Centro Cultural do Banco do Nordeste, o Museu do Ceará, o Theatro José de Alencar e o Centro Dragão do Mar.

Opções

No aeroporto, as sugestões foram o Centro Dragão do Mar e o Teatro São José, este fechado à visitação. Outra opção de visita foi o Centro de Eventos do Ceará (CEC), porque existiria programação cultural nos fins de semana, o que, de fato, não existe, já que o equipamento não tem uma programação fixa.

Com poucas opções e sem o incentivo das agências, o destino da maioria dos turistas termina sendo as praias do entorno de Fortaleza e a feirinha montada na Avenida Beira-Mar.

Para o advogado paulista Rodrigo Nishiyamamoto, que visitava a cidade pela primeira vez com a namorada, Luciana Castelleoni e a mãe dele, a dona de casa Maria José do Lago, o turismo cultural e histórico é fraco em Fortaleza. "Já visitamos outras cidades do Nordeste como Porto Seguro e Natal e aqui tem pouco para ser visto, além de os locais estarem muito sujos", aponta o advogado, após sair do Museu do Ceará, que fica ao lado da Praça General Tibúrcio, mais conhecida como Praça dos Leões, moradia de várias pessoas em situação de rua.

Naquela região do Centro de Fortaleza, a equipe de reportagem também visitou a Academia Cearense de Letras, construída no fim do século XVIII para ser a residência do capitão-mor Antônio Castro Viana e que abrigou a sede do Governo do Estado até 1970. No local, as infiltrações e as rachaduras colocam em risco o acervo da instituição, que conta com mais de 30 mil livros, entre obras raras e coleções de acadêmicos falecidos.

Segundo a bibliotecária Madalena Figueiredo, não há recursos para uma reforma, já que os reparos devem ser feitos pela própria instituição, que é responsável pelo prédio desde 1989. "Estamos esperando verba do Ministério da Cultura, através de um projeto que está em trâmite", explica a bibliotecária.

Falta de segurança

Ao lado do Palácio da Luz, na Igreja do Rosário, o problema constante é a insegurança. De acordo com o agente de pastoral da Catedral à proteção do patrimônio, Paulo César Pires, os assaltos acontecem quase que diariamente do lado de fora da Igreja. "Não temos seguranças fixos aqui e, inclusive, já fizemos protestos por isso, fechando a Igreja durante uma semana, há dois anos. Seria interessante se a Polícia pudesse fazer a segurança daqui, como é feito no Dragão do Mar, que está bem mais tranquilo. Quando os turistas vêm para visitar a Igreja, eu até peço desculpas, por causa do mau cheiro da praça, ocupada pelos moradores de rua", conta.

A Igreja do Rosário, tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan) em 1986, foi construída em 1730 pelos escravos. Ali, existe a tumba de Major Facundo, que foi sepultado de pé, voltado para o Palácio da Luz e de mais 50 escravos e quatro crianças, que estão embaixo do assoalho do templo. O acervo também conta com duas imagens do século XVIII e a arquitetura do altar é revestida em folhetos de ouro.

O Farol do Mucuripe, localizado no bairro Serviluz, é mais um local de importância histórica abandonado de Fortaleza. A insegurança e a má conservação do local afastou os turistas, mas a placa indicando onde ele está ainda permanece na Avenida Zezé Diogo.

Conservação

O prédio está coberto de pichações e permanece fechado. Nas portas e janelas de madeira, existem partes quebradas e danificadas pelos cupins. Ao chegar ao local, a equipe de reportagem encontrou duas meninas que logo alertaram sobre o perigo de assaltos no entorno do lugar.

A edificação foi erguida em 1846. É um marco na história do Ceará, não só no aspecto físico, como também no aspecto econômico do Estado. Apesar de estar desativado desde 1957, por ter se tornado obsoleto, foi recuperado em 1981, com projeto da Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico da Secretaria de Cultura e Desporto do Estado. Também é um bem tombado pelo Estado desde 1983.

A vendedora Luzanira Gomes mora ao lado do Farol há mais de 20 anos e ainda lembra da época em que o espaço era visitado. "Aí tinha lanche e artesanato para vender. Agora, está assim: sem vigia há mais de cinco anos. Apesar de ser um prédio bonito, quem vem se decepciona com o abandono. Estamos vendo a hora de invadirem e fazerem sujeira dentro", alerta.

Poder público anuncia reparo em equipamentos
Mesmo que ainda existam muitos prédios com importância histórica fechados e sem visitação, como é o caso do Farol do Mucuripe, várias restaurações de edificações representativas para a memória de Fortaleza foram feitas nos últimos anos.


Mausoléu do presidente Humberto Castello Branco tem visitação agendada pela internet
De acordo com o coordenador de Produtos e Destinos Turísticos da Secretaria de Turismo (Setur), Valdo Mesquita, são exemplos o Seminário da Prainha, o Centro de Turismo, o Palácio da Abolição e o Mausoléu Castello Branco, na Aldeota. Quanto à criação de roteiros culturais, a Setur informa não ser de sua responsabilidade. "Como isso envolve lucros, é deliberação da iniciativa privada".

Sobre a falta de preparo dos atendentes do serviço de informações turísticas, Valdo Mesquita, informa não ter conhecimento. "Os nossos funcionários têm treinamento periódico e nos dois postos, na Rodoviária e no Aeroporto, ainda temos colaboradores bilíngues", explica.

Já a Secretaria da Cultura do Estado (Secult), responsável por equipamentos como o Centro Dragão do Mar, o Theatro José de Alencar e o Museu do Ceará, anuncia reparos. "Iremos recuperar a coberta do arquivo intermediário do Arquivo Público e já iniciamos o restauro do Theatro José de Alencar. Já na Casa de Juvenal Galeno, a nossa previsão é concluir no ano que vem a complementação das obras", esclarece o coordenador de Patrimônio Histórico e Cultural da Secult, Otávio Menezes.

Recuperação

Segundo a titular da Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor), Fátima Mesquita, existe um projeto para o Farol do Mucuripe. "No momento, temos uma articulação com a comunidade para que haja a cessão da guarda para o município integrando o projeto Aldeia da Praia, que irá transformá-lo em paço de memória da comunidade".

Outro bem que deverá ser restaurado até 2014 é a Casa do Barão de Camocim, no Centro. "Incluímos o projeto no Plano de Ação das Cidades Históricas, orientado pelo Iphan, que terá financiamento incluso nas obras para a Copa 2014", afirma. Já as Caixas-d´Água da Avenida Antônio Pompeu têm pedido de tombamento protocolado na Secultfor desde 2011. "Esse pedido garante proteção provisória, enquanto aguarda instruções de tombamento a serem analisados pelo Conselho Municipal de Patrimônio Histórico e Cultural".

A Polícia Militar também ressaltou, por meio da sua assessoria de imprensa, que faz o policiamento do Farol do Mucuripe e da Igreja do Rosário, através do Ronda do Quarteirão e do Policiamento Ostensivo Geral.

Manutenção
12 é o número de equipamentos culturais mantidos pela Secretaria da Cultura do Estado (Secult). Metade está localizada no Centro de Fortaleza

Bairro Benfica é polo de artes, história e cultura
Apesar de o Centro concentrar a maioria dos prédios históricos da cidade, existem outros bairros para serem explorados, seja pelo potencial cultural ou pelos casarões de outros tempos.

Na opinião do turismólogo Gérson Linhares, existem cerca de 15 bairros históricos na Capital e mais de 300 edificações antigas, que podem ser aproveitadas pelo turismo cultural. "O turismo de sol e praia ainda é o mais praticado e o nosso patrimônio fica fora dos roteiros, esquecido pelo poder público e das empresas do trade turístico", ressalta.

Um dos bairros mais ricos nesse sentido, para Linhares, é o Benfica. "Lá, o roteiro perpassa o 23º Batalhão de Caçadores, que abriga a réplica do avião em que o único ex-presidente cearense, Castello Branco, faleceu; a reitoria da UFC, antes chácara da família Gentil; o Museu de Artes da UFC (Mauc); a Faculdade de Economia, que foi sede do Museu Histórico; as Caixas D´água, construídas em 1926 e a Casa do Barão de Camocim".

Conforme o turismólogo, a estrutura da UFC poderia ser aproveitada como equipamento cultural. "É uma pena que não haja visita guiada à Reitoria e que o Mauc e a Casa Amarela sejam fechados nos fins de semana".

Porém, a partir de janeiro de 2013, fortalezenses e turistas poderão ter acesso ampliado a esses locais. "A nossa intenção é abrir o Museu nos sábados e domingos a partir de janeiro e em abril iniciar um projeto aos sábados na Casa Amarela", afirma o diretor da Secretaria de Cultura Artística da UFC, Elvis Matos.

OPINIÃO DO ESPECIALISTA
Por uma cidadania cultural Gleudson passos
Prof. de História ( Uece)e Dr. em História (UFF)

Perguntei à minha filha, Ana Clara, 11 anos, sobre alguns bens culturais que remetem à história e cultura de Fortaleza. Ponte dos Ingleses, Praça do Ferreira, Passeio Público, Theatro José de Alencar, Maracatu, Reisados, comidas típicas... Com sua resposta, me perguntei: será que nós, fortalezenses, sabemos lidar com o patrimônio cultural?

Muito se ouve que os bens histórico-culturais de Fortaleza só interessam aos turistas. Contudo, não somos educados ou estimulados a preservar e usufruir dos significados que possuem na história da cidade.

Se os poderes públicos pecam pela carência de políticas de preservação, o cidadão também peca por não procurar entender a sua importância. Iniciativa deve ser também de cada um que sabe da existência dos bens culturais. Para usufruirmos de uma verdadeira cidadania cultural devemos ampliar a noção de patrimônio. Assim, cada um deve exigir dos poderes o direito ao conhecimento e à sua preservação. A memória de bairros como Parangaba, Jacarecanga e outros testemunham algumas das inúmeras riquezas da nossa cidade. Pais, educadores e gestores têm em comum a mesma responsabilidade.fonte:diario do nordeste/jardim das oliveiras

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