Prédios importantes para a história da cidade não são visitados por falta de incentivo e pela má conservaçãoNo
próximo dia 15 de dezembro começa a alta estação. Embora ainda não haja
previsão de quantos turistas estarão em Fortaleza no período, a
ocupação dos hotéis no último feriado, da Proclamação da República, foi
de mais de 90%. Se o turista optar por fazer um roteiro histórico ou
cultural, o que existe para ser visto? E o que realmente pode ser
visitado, sem riscos de assaltos ou outros danos para quem for até lá?
Farol do Mucuripe, construído no século XIX, no Serviluz, não é mais visitado pelos turistas FOTO: NATASHA MOTAA
equipe do Diário do Nordeste visitou 11 locais importantes na história
da cidade, não só no Centro, mas também no Benfica, Mucuripe e Aldeota e
constatou que vários desses bens não contam com estrutura para receber
os visitantes.
A começar pelo serviço de informações turísticas,
de responsabilidade da Secretaria do Turismo do Estado (Setur) e
Secretaria de Turismo de Fortaleza (Setfor), que é ineficiente. Ao ligar
para o serviço é possível perceber o despreparo dos funcionários. Na
lista fornecida, não são indicados os mesmos equipamentos culturais e
ainda são recomendados espaços que não contam com programação fixa, como
o Centro de Eventos.
Na Casa do Turista da Avenida Beira-Mar,
foi sugerido à equipe de reportagem visitar o Mercado Central, o Centro
de Turismo, o Dragão do Mar e a Igreja "ao lado do Mercado Central", que
é a Catedral da Sé, mas que não foi identificada pela pessoa que
atendeu às ligações.
Ao contactar o posto de informações da Praça
do Ferreira, a funcionária indicou, primeiro, um museu, que ela admitiu
não saber o nome e, logo após, a ligação caiu. Quando a equipe tentou
pela segunda vez, foi sugerido o Centro Cultural do Banco do Nordeste, o
Museu do Ceará, o Theatro José de Alencar e o Centro Dragão do Mar.
OpçõesNo
aeroporto, as sugestões foram o Centro Dragão do Mar e o Teatro São
José, este fechado à visitação. Outra opção de visita foi o Centro de
Eventos do Ceará (CEC), porque existiria programação cultural nos fins
de semana, o que, de fato, não existe, já que o equipamento não tem uma
programação fixa.
Com poucas opções e sem o incentivo das
agências, o destino da maioria dos turistas termina sendo as praias do
entorno de Fortaleza e a feirinha montada na Avenida Beira-Mar.
Para
o advogado paulista Rodrigo Nishiyamamoto, que visitava a cidade pela
primeira vez com a namorada, Luciana Castelleoni e a mãe dele, a dona de
casa Maria José do Lago, o turismo cultural e histórico é fraco em
Fortaleza. "Já visitamos outras cidades do Nordeste como Porto Seguro e
Natal e aqui tem pouco para ser visto, além de os locais estarem muito
sujos", aponta o advogado, após sair do Museu do Ceará, que fica ao lado
da Praça General Tibúrcio, mais conhecida como Praça dos Leões, moradia
de várias pessoas em situação de rua.
Naquela região do Centro
de Fortaleza, a equipe de reportagem também visitou a Academia Cearense
de Letras, construída no fim do século XVIII para ser a residência do
capitão-mor Antônio Castro Viana e que abrigou a sede do Governo do
Estado até 1970. No local, as infiltrações e as rachaduras colocam em
risco o acervo da instituição, que conta com mais de 30 mil livros,
entre obras raras e coleções de acadêmicos falecidos.
Segundo a
bibliotecária Madalena Figueiredo, não há recursos para uma reforma, já
que os reparos devem ser feitos pela própria instituição, que é
responsável pelo prédio desde 1989. "Estamos esperando verba do
Ministério da Cultura, através de um projeto que está em trâmite",
explica a bibliotecária.
Falta de segurançaAo
lado do Palácio da Luz, na Igreja do Rosário, o problema constante é a
insegurança. De acordo com o agente de pastoral da Catedral à proteção
do patrimônio, Paulo César Pires, os assaltos acontecem quase que
diariamente do lado de fora da Igreja. "Não temos seguranças fixos aqui
e, inclusive, já fizemos protestos por isso, fechando a Igreja durante
uma semana, há dois anos. Seria interessante se a Polícia pudesse fazer a
segurança daqui, como é feito no Dragão do Mar, que está bem mais
tranquilo. Quando os turistas vêm para visitar a Igreja, eu até peço
desculpas, por causa do mau cheiro da praça, ocupada pelos moradores de
rua", conta.
A Igreja do Rosário, tombada pelo Instituto do
Patrimônio Histórico Nacional (Iphan) em 1986, foi construída em 1730
pelos escravos. Ali, existe a tumba de Major Facundo, que foi sepultado
de pé, voltado para o Palácio da Luz e de mais 50 escravos e quatro
crianças, que estão embaixo do assoalho do templo. O acervo também conta
com duas imagens do século XVIII e a arquitetura do altar é revestida
em folhetos de ouro.
O Farol do Mucuripe, localizado no bairro
Serviluz, é mais um local de importância histórica abandonado de
Fortaleza. A insegurança e a má conservação do local afastou os
turistas, mas a placa indicando onde ele está ainda permanece na Avenida
Zezé Diogo.
ConservaçãoO prédio está
coberto de pichações e permanece fechado. Nas portas e janelas de
madeira, existem partes quebradas e danificadas pelos cupins. Ao chegar
ao local, a equipe de reportagem encontrou duas meninas que logo
alertaram sobre o perigo de assaltos no entorno do lugar.
A
edificação foi erguida em 1846. É um marco na história do Ceará, não só
no aspecto físico, como também no aspecto econômico do Estado. Apesar de
estar desativado desde 1957, por ter se tornado obsoleto, foi
recuperado em 1981, com projeto da Divisão do Patrimônio Histórico e
Artístico da Secretaria de Cultura e Desporto do Estado. Também é um bem
tombado pelo Estado desde 1983.
A vendedora Luzanira Gomes mora
ao lado do Farol há mais de 20 anos e ainda lembra da época em que o
espaço era visitado. "Aí tinha lanche e artesanato para vender. Agora,
está assim: sem vigia há mais de cinco anos. Apesar de ser um prédio
bonito, quem vem se decepciona com o abandono. Estamos vendo a hora de
invadirem e fazerem sujeira dentro", alerta.
Poder público anuncia reparo em equipamentos
Mesmo
que ainda existam muitos prédios com importância histórica fechados e
sem visitação, como é o caso do Farol do Mucuripe, várias restaurações
de edificações representativas para a memória de Fortaleza foram feitas
nos últimos anos.
Mausoléu do presidente Humberto Castello Branco tem visitação agendada pela internetDe
acordo com o coordenador de Produtos e Destinos Turísticos da
Secretaria de Turismo (Setur), Valdo Mesquita, são exemplos o Seminário
da Prainha, o Centro de Turismo, o Palácio da Abolição e o Mausoléu
Castello Branco, na Aldeota. Quanto à criação de roteiros culturais, a
Setur informa não ser de sua responsabilidade. "Como isso envolve
lucros, é deliberação da iniciativa privada".
Sobre a falta de
preparo dos atendentes do serviço de informações turísticas, Valdo
Mesquita, informa não ter conhecimento. "Os nossos funcionários têm
treinamento periódico e nos dois postos, na Rodoviária e no Aeroporto,
ainda temos colaboradores bilíngues", explica.
Já a Secretaria da
Cultura do Estado (Secult), responsável por equipamentos como o Centro
Dragão do Mar, o Theatro José de Alencar e o Museu do Ceará, anuncia
reparos. "Iremos recuperar a coberta do arquivo intermediário do Arquivo
Público e já iniciamos o restauro do Theatro José de Alencar. Já na
Casa de Juvenal Galeno, a nossa previsão é concluir no ano que vem a
complementação das obras", esclarece o coordenador de Patrimônio
Histórico e Cultural da Secult, Otávio Menezes.
RecuperaçãoSegundo
a titular da Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor), Fátima
Mesquita, existe um projeto para o Farol do Mucuripe. "No momento, temos
uma articulação com a comunidade para que haja a cessão da guarda para o
município integrando o projeto Aldeia da Praia, que irá transformá-lo
em paço de memória da comunidade".
Outro bem que deverá ser
restaurado até 2014 é a Casa do Barão de Camocim, no Centro. "Incluímos o
projeto no Plano de Ação das Cidades Históricas, orientado pelo Iphan,
que terá financiamento incluso nas obras para a Copa 2014", afirma. Já
as Caixas-d´Água da Avenida Antônio Pompeu têm pedido de tombamento
protocolado na Secultfor desde 2011. "Esse pedido garante proteção
provisória, enquanto aguarda instruções de tombamento a serem analisados
pelo Conselho Municipal de Patrimônio Histórico e Cultural".
A
Polícia Militar também ressaltou, por meio da sua assessoria de
imprensa, que faz o policiamento do Farol do Mucuripe e da Igreja do
Rosário, através do Ronda do Quarteirão e do Policiamento Ostensivo
Geral.
Manutenção
12 é o número de
equipamentos culturais mantidos pela Secretaria da Cultura do Estado
(Secult). Metade está localizada no Centro de Fortaleza
Bairro Benfica é polo de artes, história e cultura
Apesar
de o Centro concentrar a maioria dos prédios históricos da cidade,
existem outros bairros para serem explorados, seja pelo potencial
cultural ou pelos casarões de outros tempos.
Na opinião do
turismólogo Gérson Linhares, existem cerca de 15 bairros históricos na
Capital e mais de 300 edificações antigas, que podem ser aproveitadas
pelo turismo cultural. "O turismo de sol e praia ainda é o mais
praticado e o nosso patrimônio fica fora dos roteiros, esquecido pelo
poder público e das empresas do trade turístico", ressalta.
Um
dos bairros mais ricos nesse sentido, para Linhares, é o Benfica. "Lá, o
roteiro perpassa o 23º Batalhão de Caçadores, que abriga a réplica do
avião em que o único ex-presidente cearense, Castello Branco, faleceu; a
reitoria da UFC, antes chácara da família Gentil; o Museu de Artes da
UFC (Mauc); a Faculdade de Economia, que foi sede do Museu Histórico; as
Caixas D´água, construídas em 1926 e a Casa do Barão de Camocim".
Conforme
o turismólogo, a estrutura da UFC poderia ser aproveitada como
equipamento cultural. "É uma pena que não haja visita guiada à Reitoria e
que o Mauc e a Casa Amarela sejam fechados nos fins de semana".
Porém,
a partir de janeiro de 2013, fortalezenses e turistas poderão ter
acesso ampliado a esses locais. "A nossa intenção é abrir o Museu nos
sábados e domingos a partir de janeiro e em abril iniciar um projeto aos
sábados na Casa Amarela", afirma o diretor da Secretaria de Cultura
Artística da UFC, Elvis Matos.
OPINIÃO DO ESPECIALISTA
Por uma cidadania cultural Gleudson passos
Prof. de História ( Uece)e Dr. em História (UFF)
Perguntei
à minha filha, Ana Clara, 11 anos, sobre alguns bens culturais que
remetem à história e cultura de Fortaleza. Ponte dos Ingleses, Praça do
Ferreira, Passeio Público, Theatro José de Alencar, Maracatu, Reisados,
comidas típicas... Com sua resposta, me perguntei: será que nós,
fortalezenses, sabemos lidar com o patrimônio cultural?
Muito se
ouve que os bens histórico-culturais de Fortaleza só interessam aos
turistas. Contudo, não somos educados ou estimulados a preservar e
usufruir dos significados que possuem na história da cidade.
Se
os poderes públicos pecam pela carência de políticas de preservação, o
cidadão também peca por não procurar entender a sua importância.
Iniciativa deve ser também de cada um que sabe da existência dos bens
culturais. Para usufruirmos de uma verdadeira cidadania cultural devemos
ampliar a noção de patrimônio. Assim, cada um deve exigir dos poderes o
direito ao conhecimento e à sua preservação. A memória de bairros como
Parangaba, Jacarecanga e outros testemunham algumas das inúmeras
riquezas da nossa cidade. Pais, educadores e gestores têm em comum a
mesma responsabilidade.fonte:diario do nordeste/jardim das oliveiras