Francisco, tomando ao pé da letra o que o crucifixo de São Damião ordenara, iniciou sua nova vida como
pedreiro, ajudando a reconstruir diversas igrejas nos arredores de Assis - esta de São Damião, a de
São Pedro e a da
Porciúncula, que segundo
São Boaventura era a que ele mais amava. Nela descobriu, em 1208 ou 1209, na leitura de uma passagem do
evangelho de Mateus, as linhas gerais que orientaram sua vocação:
-
- "Ide, disse o Salvador, e proclamai em todas as partes que o Reino do Céu está aberto. Vós recebestes gratuitamente; dai sem receber pagamento. Não leveis nem ouro, nem prata nem cobre em vossos cintos, nem um alforje, nem uma segunda túnica, nem sandálias, nem o cajado de viajante, pois o trabalhador merece ser sustentado. Em qualquer vila em que entrardes procurai alguma pessoa digna, e hospedai-vos com ela até partirdes. E quando entrardes em uma casa, saudai-a; se a casa for digna, desça sobre ela a vossa paz; mas, se não for digna, torne para vós a vossa paz."8
Dessa forma, de devoto passou a ser
missionário, e começou a
pregação da palavra divina, fazendo seus primeiros
conversos, entre eles Bernardo de Quintavalle, um rico burguês de Assis, que vendeu tudo o que tinha para dar aos pobres, Pietro Cattani, que foi mais tarde seu sucessor na Ordem, e o Irmão Giles. Nesse período inicial, segundo Celano, teve uma revelação do futuro brilhante de sua Ordem, e ao mesmo tempo das provações que estavam pela frente. Diz o cronista:
-
- "No começo desta nossa vida vamos encontrar alguns frutos doces e deliciosos. Depois serão oferecidos outros de menor sabor e doçura. No fim, serão dados alguns cheios de amargor, de que não poderemos viver, porque sua acidez será intragável para todos, apesar da aparência de frutos belos e cheirosos. Entretanto, como vos disse, o Senhor fará de nós um grande povo"9
Giotto:
Francisco e seus companheiros diante de Inocêncio III, 1297-1299. Basílica de São Francisco de Assis, Assis.
Tendo reunido mais um grupo de seguidores, dirigiu-se para
Roma a fim de obter do papa a autorização da primeira
Regra para a fundação de sua Ordem, a chamada
Regra primitiva, que prescrevia uma pobreza absoluta para os monges e para a Ordem, em imitação literal da vida de Jesus Cristo e seus
apóstolos conforme narrada nos
Evangelhos, que não possuíam nada pessoalmente nem em comum. Segundo o cronista inglês
Matthew Paris, lá chegando, sujos e vestidos pobremente, foram ridicularizados pela corte de
Inocêncio III, que mandou não aborrecê-lo com sua
Regra, considerada excessivamente rigorosa e impraticável, e que fosse pregar entre os porcos. Tendo-o feito num chiqueiro próximo, coberto de lama voltou para o papa, que refletindo um momento, decidiu recebê-los em uma audiência formal depois que se lavassem. Francisco e seus amigos se prepararam então para esse outro encontro conseguindo o apoio de
prelados eminentes para a sua causa. Segundo os relatos antigos, nesse ínterim Inocêncio teve um sonho, onde viu a
Basílica de São João de Latrão prestes a desabar, apenas sustentada por um pobre religioso, que ele interpretou como sendo Francisco. Com a recomendação favorável de alguns conselheiros e com o aviso recebido em sonho, Inocêncio finalmente autorizou a
Regra, mas não por escrito, nem outorgou o estatuto de
Ordem maior ao grupo, apenas permitiu que pregassem e dessem socorro moral às pessoas, mas acrescentando que se eles conseguissem frutos de seu trabalho, voltassem a ele para que sua situação fosse completamente regularizada. Alguns relatos antigos, como o deixado por
Roger de Wendover, sugerem que Francisco e seus companheiros não ficaram completamente satisfeitos com o resultado de seu encontro com o papa, e em seu caminho de volta, ao pararem em
Spoleto, parece ter havido uma crise entre o grupo. Alguns teriam se inclinado a abandonar a pregação para viverem como
monges eremitas, desiludidos com a ostentação de luxo da corte papal. Também nessa ocasião parece ter ocorrido o célebre
Sermão aos pássaros, mas os cronistas divergem na sua descrição. Para Wendover ele foi a manifestação da revolta de Francisco, que teria mandado as aves devorarem os poderosos, mas os que seguem a versão de Celano o referem como um
idílio cheio de poesia e doçura.
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