Luis Kawaguti
Crise econômica, cenário político deteriorado, decepção sobre o legado da Copa do Mundo e frustração com sonho olímpico. Esses são os elementos que podem criar o ambiente supostamente ideal para uma nova onda de manifestações no Brasil na época da Olimpíada, segundo o pesquisador Rafael Alcadipani, do Núcleo de Estudos em Organizações e Pessoas da Fundação Getúlio Vargas.
Após acompanhar dezenas de manifestações e protestos relacionados à Copa do Mundo, Alcadipani concluiu na semana passada a pesquisa "A Policia Militar e os Black Blocs: uma observação em ato". Seu objetivo era explicar como os policiais lidaram com as manifestações chamadas "Não vai ter Copa".
Ele constatou que tantos manifestantes quanto policiais desenvolveram novas táticas que marcaram os protestos relacionados ao Mundial de futebol. Mas nessa disputa, os vitoriosos foram os policiais.
A partir disso, ele apontou à BBC Brasil cenários possíveis de protestos durante a Olimpíada do Rio de Janeiro em 2016.
Segundo Alcadipani, à medida que o evento se aproximar, a sociedade pode se frustrar com o sonho do legado olímpico – o que pode despertar revoltas.
Por outro lado, é provável também que a onda de manifestações contra o governo continue em 2016. Nesse cenário, a disputa entre grupos pró e anti-PT poderia ocupar mais a agenda dos manifestantes do que a própria Olimpíada.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
BBC Brasil - Como o senhor avalia a atuação da polícia em relação a manifestações?
Rafael Alcadipani - A polícia de uma forma geral buscou ter um aprendizado em relação às manifestações. E posteriormente conseguiu lidar de forma tão efetiva que as manifestações chegaram até a acabar, aquelas que tinham o que se chama de quebra da ordem. E um fato crucial para isso foi a Polícia Civil se envolver na questão.
BBC Brasil - Quais estratégias a polícia começou a adotar que não adotava antes?
Rafael Alcadipani - Eles começaram com a técnica do acompanhamento, depois o envelopamento até chegar no kettling (cercar os manifestantes) e evoluir para a tropa do braço, que são tropas que costumam ficar mais perto dos manifestantes. (Essas táticas visam restringir a capacidade dos manifestantes se moverem em grupo).
E a Polícia Civil passou a indiciar pessoas mais diretamente, principalmente aqueles que pertenciam ao grupo dos Black Blocs, gerando um pouco mais de medo. Eles passaram a ter medo de ser presos e isso fez com que não ficassem tanto nas ruas.
Outro aspecto é que infelizmente a polícia conduzia (participantes dos protestos) de forma indiscriminada para o distrito policial, principalmente a Polícia Militar. Isso gerou um medo nas pessoas de virem se manifestar.
A polícia também começou a utilizar um grande efetivo: 1.000, 1.500, 2.000 homens. Para gerar uma impressão de sufocamento das pessoas. Então houve manifestações em que você tinha mais policiais do que manifestantes.
BBC Brasil - E o que mudou entre os manifestantes?
Rafael Alcadipani - Primeiro, antes sempre havia uma liderança clara e ela seguia um trajeto pré-determinado com a polícia. Isso deixou de acontecer. Segundo: os manifestantes começaram a provocar diretamente o aparato policial – o que não acontecia anteriormente no Brasil.
BBC Brasil - Quais são as suas conclusões com a pesquisa? Quem venceu, a polícia ou os manifestantes?
Rafael Alcadipani - Eu acho que a polícia aprendeu a lidar com as manifestações de quebra de ordem. Ela conseguiu resolver o problema de quebra-quebra para a Copa do Mundo, mas por outro lado ela gerou o temor em uma juventude de ir para a rua e se manifestar.
Mas o interessante é que as manifestações voltaram. Várias das bandeiras que eram dos Black Blocks voltaram para as ruas, mas agora com um cunho mais conservador, mais à direita no espectro político. Não que os Black Blocs fossem exatamente esquerda.
Em um certo sentido a polícia venceu essa disputa grande que houve com os Black Blocs.
BBC Brasil - O senhor acompanhou os Black Blocs?
Rafael Alcadipani - O meu contato foi maior com os policiais e menor com os Black Blocs.
BBC Brasil - Como o senhor analisa as manifestações hoje? Há um perfil diferente nas ruas?
Rafael Alcadipani - Sim, há um perfil diferente, mais conservador, de pessoas mais velhas e mais ricas. Esses movimentos são diferentes dos movimentos contra a Copa. É uma coisa que começou em junho de 2013 e agora está sendo tomada por outros grupos sociais.
BBC Brasil - Como o senhor traçaria um cenário para a Olimpíada de 2016?
Rafael Alcadipani - Por um lado as manifestações podem ficar mais circunscritas a uma cidade específica, que é o Rio de Janeiro. O segundo aspecto é que a gente não tem mais manifestações com quebra-quebra, com indivíduos infiltrados em manifestações para gerar quebra-quebra.
Por outro lado o cenário econômico brasileiro é bastante delicado no momento e o cenário político tem se deteriorado. Então ainda não é possível dizer se vai ter ou se não vai ter, mas não há dúvida nenhuma que existe um clima no ar de possibilidade de manifestação.
A gente terá manifestações contra o governo, que já têm acontecido com certa frequência, e não dá para saber qual rumo elas vão tomar. Não me parece que esses manifestantes são contrários à Olimpíada, e não é o tipo de manifestante que vai querer confrontar a polícia. Então é um cenário que ainda não está claro.
BBC Brasil - Anteriormente o senhor havia associado a situação atual do Brasil com termo "tempestade perfeita" em relação a manifestações. Quais seriam os elementos dessa tempestade?
Rafael Alcadipani - Uma crise econômica que está se agravando e uma deterioração na crença na política como forma de responder e de resolver os problemas. Ninguém sabe para onde a (operação) Lava Jato vai e quem vai estar implicado nisso. Além disso, em São Paulo tem a situação da falta d'água que é um monstro que tem aparecido com frequência.
E quanto mais próximo a gente chegar da Olimpíada mais vai ser contestado qual foi, de fato, o legado da Copa do Mundo. No Brasil hoje a gente percebe que o legado não foi muito grande. Foi uma festa bonita e tudo o mais, mas a gente está pagando uma conta com arenas vazias, estádios inúteis, obras que não foram acabadas.
Então essa questão do sonho olímpico como algo que vai revolucionar uma cidade e não se concretizou vai gerar revolta popular, dependendo do cenário e da situação.
Os ingredientes para as manifestações estão aí na sociedade brasileira, sem dúvida nenhuma. A única diferença é que hoje as rua estão ocupadas por um grupo mais conservador e não me parece que a Olimpíada seja uma questão para esse grupo. A bandeira deles é a ética na política e o antipetismo.
As ruas também estão ocupadas pelos apoiadores do governo Dilma. Então nesse Fla x Flu de PT e anti-PT, talvez a Olimpíada passe desapercebida como foco de manifestação.
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