Luís Guilherme Barrucho
Empresas brasileiras com negócios em Cuba ouvidas pela BBC Brasil veem com otimismo moderado a reaproximação entre a ilha comunista e os Estados Unidos, em meio a incertezas sobre o grau de abertura política e econômica a ser promovido pelo regime castrista.
Parte delas diz esperar uma alta das vendas de olho no mercado interno cubano, enquanto outras planejam usar o país como uma espécie de entreposto comercial para o restante da América Central e do Caribe, além dos Estados Unidos.
Por trás dessa estratégia, está o porto de Mariel, construído pela brasileira Odebrecht por meio de empréstimos subsidiados pelo BNDES.
Há ainda um terceiro grupo que, menos otimista, teme sofrer concorrência de produtos de outros países, sobretudo americanos.
Qualquer cenário, no entanto, só se concretizaria com o fim do embargo econômico, decretado pelos Estados Unidos contra Cuba em 1962 e vigente até hoje, ponderam.
Entre 2003 e 2013, o intercâmbio comercial entre Brasil e Cuba cresceu praticamente sete vezes, passando de US$ 92 milhões em 2003 para US$ 625 milhões em 2013. Atualmente, o Brasil é o terceiro maior parceiro comercial de Cuba, após a China e a Venezuela.
Durante o período, várias empresas brasileiras iniciaram ou mesmo aumentaram as exportações para o país, impulsionadas pela sintonia ideológica entre os dois governos.
Para o empresário Ênio Luiz Martinazzo, da Metalurgia Martinazzo, de Garibaldi, no Rio Grande do Sul, o fim do embargo “aceleraria as oportunidades de negócios". A empresa exporta talheres e utensílios de cozinha para mais de 15 países e vem participando das últimas edições da Feira Internacional de Havana (FIHAV), que acontece anualmente na capital cubana.
"O fim do embargo certamente alavancaria as oportunidades de negócios para empresários brasileiros em Cuba. No entanto, disso dependerá o grau de abertura econômica promovido pelo governo. Ainda há muita burocracia para atuar lá", diz ele à BBC Brasil.
A burocracia a que Martinazzo se refere envolve as restrições impostas pelo regime castrista para o comércio exterior. Todas as negociações são feitas com o governo.
"O mercado cubano é muito particular. Apesar de negociarmos apenas com o governo do país, há várias agências governamentais que 'concorrem' entre si oferecendo contratos com preços diferentes. A eventual derrubada do embargo pode trazer benefícios para a população e possivelmente alavancar nossas vendas", diz Maria Prado, gerente de exportação da Fame, que fabrica chuveiros elétricos e exporta para Cuba há mais de 20 anos.
"No entanto, ainda é muito incerto como se dará essa abertura econômica. O governo continuará como comprador exclusivo? Além disso, a renda do cubano ainda é muito baixa e o mercado interno, apesar de considerável, vai demorar para atingir o nível de consumo de outros países", acrescenta.
Cuba tem mais de 11 milhões de habitantes, mas o salário médio da população, segundo dados oficiais, não ultrapassa o equivalente a R$ 50.
Na avaliação de Abel Pina, representante da Kerry, de Três Corações, em Minas Gerais, que fabrica leite em pó de gordura vegetal e também participou da FIHAV, o comércio com Cuba ainda é "inviável". Ele é menos otimista com o futuro da ilha.
"Tentamos de todas as formas vender para o mercado cubano, mas não conseguimos. Ainda há muitas barreiras, não só burocráticas, mas econômicas", diz ele.
"O fim do embargo pode gerar uma expectativa frustrada, pois tudo dependerá do nível de abertura da economia cubana", pondera.
Pina explica que, por causa do bloqueio econômico imposto pelos EUA, o acesso a dólares em Cuba é restrito, o que prejudica as negociações com os exportadores.
"Atualmente, o governo brasileiro concede linhas de crédito a Cuba, que usa o dinheiro para pagar os exportadores, mas não há qualquer certeza de que a dívida será paga", diz.
"Além disso, temos pouca liberdade para negociar já que só existe uma única estatal responsável por comprar alimentos, a Alimport", acrescenta.
Mariel
Dênis Mauro Sponton, diretor da fabricante de eletrodos Uniweld, demonstra otimismo com a reaproximação entre Cuba e Estados Unidos, mas diz acreditar que o crescimento das vendas vai depender da "melhoria na infraestrutura" do país.
"As estradas do país são péssimas e a indústria está completamente sucateada. Não adianta nada ser amigo dos Estados Unidos se não houver dinheiro. É preciso que o governo cubano coloque em prática um plano de melhorias", afirma.
Na opinião de Sponton, por outro lado, Cuba pode se aproveitar da "zona de desenvolvimento especial" do porto de Mariel, construído pela brasileira Odebrecht, por meio de empréstimos subsidiados pelo BNDES.
Ali vigora um sistema diferente do resto da ilha, onde empresas têm poucas restrições para contratar, contam com isenção de impostos e não são obrigadas a se associar a companhias estatais.
Inaugurado em janeiro deste ano, o porto de Mariel é operado por uma empresa de Cingapura. De grande profundidade, o terminal pode receber navios gigantes, capacidade que poucos portos da região têm, inclusive na costa americana. Além disso, vem sendo modernizado no mesmo momento em que são realizadas obras de ampliação do canal do Panamá, que passará a receber navios que transportam até o triplo da carga dos navios atuais.
"Logicamente, nenhuma empresa que se instale ali vai comprar matéria-prima de Cuba. O objetivo é aproveitar a localização estratégica do país como centro de distribuição para o resto da América Central e os Estados Unidos", acrescenta Sponton, que afirma que isso só será possível com o fim do embargo.
Por trás dessa estratégia, está a mão de obra cubana, barata e educada, avaliam os empresários.
"Construímos parte do porto de Mariel e muitos dos pedreiros eram engenheiros civis. A grande maioria dos cubanos tem ensino universitário, o que facilita a capacitação", diz Luiz Angelo Pereira, da Medabil, empresa que fabrica estruturas metálicas e já atua em Cuba.
"Isso, claro, pode ter um impacto considerável na produtividade a longo prazo", acrescenta ele, que diz acreditar que o fim do embargo possa "ampliar a aceitação do governo em relação ao investimento estrangeiro".
"Hoje, no entanto, ainda há uma série de entraves. Eu não consigo, por exemplo, levar operários brasileiros para Cuba, apenas técnicos e supervisores, tampouco tenho liberdade para definir salários", explica.
Tigre caribenho?
Pereira, que diz já ter recebido pedidos de orçamento de "15 a 20 empresas brasileiras" interessadas em estudar a viabilidade dos negócios em Cuba, acredita que o país possa se tornar uma espécie de "entreposto comercial".
"Uma empresa brasileira pode aproveitar a localização estratégica do país para instalar ali uma linha de produção, montando, por exemplo, um produto cujas peças venham de outros países", avalia.
Nessa hipótese, Cuba poderia seguir pelo mesmo caminho dos tigres asiáticos, que, na década de 80, usaram a mão de obra barata e a educação de qualidade como vantagem competitiva para impulsionar suas economias.
"Nenhum empresário vai fechar a fábrica no Brasil e transferi-la para Cuba. Mas por que produzir mais caro aqui para vender para a América Central e para os Estados Unidos e se eu posso fazer isso de lá com custos menores?", questiona Sponton, da Uniweld, que critica o chamado "Custo Brasil".
Temor
Há, em contrapartida, uma preocupação de que o fim do embargo mude "as regras do jogo".
Algumas empresas temem que, com a abertura econômica, o Brasil possa perder o "tratamento privilegiado" recebido do governo cubano.
"O cenário é incerto, pois ninguém sabe o que vai acontecer depois do fim do embargo", diz Pereira, da Medabil.
"Mesmo que as regras do jogo mudem, já temos uma experiência no mercado cubano, o que nos favoreceria frente a eventuais novos competidores", pondera.
No entanto, um representante de uma fornecedora de aves brasileira que vende para Cuba vê como "prejudicial" a abertura econômica do país.
"No nosso setor, o fim do embargo é ruim, porque sofreríamos concorrência de outras empresas, especialmente dos Estados Unidos, que são os maiores produtores de frango do mundo", afirmou o executivo, que não quis se identificar.
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