Renata Mendonça - @renata_mendonca
Em 2006, atletas de diversas modalidades resolveram se juntar para propor mudanças para a gestão do esporte no país. Foi preciso quase uma década para que eles finalmente fossem atendidos com a reativação da Comissão Nacional dos Atletas, que estava parada havia 16 anos.
Reinstalada oficialmente pelo Ministério do Esporte na semana passada, a principal função da comissão será avaliar as políticas de esporte que já existem e fazer sugestões para melhorias.
"Está sendo aberta uma porta para os atletas participarem mais das discussões, e é isso que nós queremos", disse à BBC Brasil a ex-jogadora de basquete Hortência, vice-presidente da Comissão de Atletas. Ela também está no grupo de esportistas que se uniu em 2006 e hoje forma a Atletas pelo Brasil, uma ONG que luta pelo desenvolvimento do esporte.
O diálogo foi aberto, mas os atletas ainda estão reticentes quanto à prática do que está sendo discutido.
"Não é novidade os atletas participarem, acho que tem tido um avanço nos últimos anos. Mas uma coisa é discurso, e outra coisa é pratica. A gente está de olho pra ver se vai existir uma mudança de cenário, que seria sair das discussões e virar ações concretas", pontuou a ex-jogadora de vôlei Ana Moser, presidente da Atletas pelo Brasil e uma das vozes mais ativas nas reivindicações.
Uma das principais reivindicações dos atletas é a criação de um "sistema único" para regulamentar o esporte no país e determinar as responsabilidades do poder público. "A Constituição diz que o Estado deve levar esporte para todos, mas atualmente 80% do investimento vai para o alto rendimento", explica Ana Moser.
Outra, é a regulamentação da medida provisória 620, que altera a Lei Pelé e obriga entidades esportivas a seguirem uma série de regras de gestão e transparência (como a limitação de mandatos de presidentes, por exemplo) para receber dinheiro público - atualmente, quase 100% das confederações esportivas recebem dinheiro do governo federal. A medida foi aprovada em 2013, mas até hoje não foi regulamentada.
"A expectativa é de que realmente a gente consiga acompanhar melhor pra onde vão os investimentos", disse a ex-tenista Patrícia Medrado.
Aproximação
Quando George Hilton foi nomeado ministro do Esporte, no fim do ano passado, os atletas foram bastante críticos à escolha pelo fato de ele não ter relação com a área. No entanto, depois de algumas reuniões com o titular da pasta, eles esperam finalmente ver suas propostas colocadas em prática.
"Até agora, todos nós e as entidades que estão discutindo essas questões há tanto tempo, não vimos nenhum programa, nenhuma lei, nenhuma ação", questiona Ana Moser. "O lado bom é que está tendo o diálogo."
"Acho que a gente teve uma estruturação muito boa nos últimos anos para o esporte de alto rendimento, pensando em 2016. Mas a Constituição fala em garantir esporte pra todos, isso vai desde iniciação a tudo que diz respeito a esporte das pessoas comuns. E isso não avançou quase nada."
O próprio ministro reconhece a importância de dar voz aos atletas para desenvolver uma política de Estado para o esporte no Brasil.
"Os atletas têm expertise de quem viveu a prática esportiva e, depois de vivenciarem, eles passam a ter uma visão muito global da necessidade de ter mais apoio, de políticas públicas definidas", disse George Hilton à BBC Brasil. "O ministério tem muitos técnicos, mas essa parceria aprofunda o debate."
Reivindicações
A grande prioridade dos atletas agora é conseguir aprovar um projeto de lei que criará o Sistema Nacional do Esporte.
"A lei do Sistema é um passo além do que a gente tem hoje, mas não resolve tudo, porque é preciso traduzir a lei em programas e ações. Mas ela vai definir os agentes, quem é que faz esporte, pra quem e de que jeito", explicou Ana Moser.
"Ela vai definir quem financia o quê também. Por exemplo, tem município que na época de Olimpíada tem bolsa-atleta pra esporte de alto rendimento. É essa a prioridade do município? Qual é a responsabilidade dele? Essas questões serão esclarecidas com a legislação."
De acordo com o Ministério do Esporte, essa é uma das prioridades deste ano. A pasta criou um grupo de trabalho com representantes dos atletas, de algumas confederações, de clubes e até de ONGs que investem no esporte para discutir o projeto de lei que deve ficar pronto para ser votado em setembro.
"Queremos definir papéis e de onde virão os recursos pra manter os programas. Será o início de uma política de Estado no esporte para fazer o Brasil se tornar uma potência esportiva. O grande momento para avançar é agora", disse o ministro.
Conquistas
Da mobilização que começou em 2006, a primeira vitória veio em 2013. A medida provisória 620 aprovada no fim de 2013 foi considerada uma conquista histórica pelos atletas, já que acaba com os mandatos 'eternos' dos presidentes de confederações e obriga as entidades a seguirem critérios de transparência.
Na briga com a cartolagem esportiva e com os lobbies no Congresso, os atletas tiraram lições de como lidar com a política.
"Nós tivemos de ser muito estratégicos pra conseguir fazer avançar, porque a resistência era total. Fomos à Brasília várias vezes, tivemos apoio de um escritório de advocacia acostumado a lidar com Congresso. A gente não é especialista em política, então a gente luta com quem está acostumado com esse jogo", contou Ana Moser.
"Não podemos mais ficar de braços cruzados como antigamente e deixar um presidente de Confederação Brasileira de Futsal ficar lá 45 anos. Agora com a lei, não pode", disse Hortência.
A briga deles agora é para que a MP seja regulamentada e entre em prática de verdade. Mas, enquanto isso não acontece, os atletas deram um jeito de 'acelerar' o processo em uma parceria com os empresários que investem no esporte. As próprias empresas privadas passarão a exigir das confederações que patrocinam os critérios de transparência que constam na lei.
"Existe um tempo muito grande pra que uma lei seja regulamentada e implementada, e as empresas chegaram à conclusão de que não queriam esperar pra começar a viver o espírito da lei, de transparência e de boa gestão", afirmou Paulo Nigro, presidente do grupo de empresários LIDE Esporte.
Esse grupo foi um dos grandes incentivadores do Pacto pelo Esporte, que uniu as empresas e os atletas no compromisso de exigir transparência as entidades esportivas.
"Para continuar patrocinando, a gente exige que a entidade (confederações esportivas) cumpra o que a lei diz. Essa mudança não vai ser do dia pra noite, existem contratos vigentes, levará um tempo até que a nova lógica de contratos seja implementada. Mas acreditamos que daqui uns 5 ou 7 anos, isso já estará acontecendo."
Expectativas
Os atletas consideram que há agora boas oportunidades para mudar a política do país para o esporte. Por causa dos grandes eventos – Copa do Mundo no ano passado e Olimpíada em 2016 –, o tema se tornou mais recorrente em Brasília.
"Acho que agora é o momento, não podemos deixar para depois, porque depois a gente não sabe se o esporte vai estar no foco da política. Hoje tem verba, as empresas estão investindo. A gente precisa dar continuidade, porque 2016 já está aí, a gente precisa saber do pós-2016, o que vai acontecer. Qual é o legado que vai ficar?", questiona Hortência.
"Estamos fortalecidos pela nossa própria causa, estamos com empresariado do nosso lado e estamos unidos. Se a gente tiver que brigar, vamos em frente", afirmou Medrado.
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