Francisca Bruno, de 39 anos, diz que não tem vergonha da vida que leva.
Secretaria de Assistência Social diz que desconhece o caso, mas vai ajudar.
Uma rede, sacolas com roupas, uma bíblia, velas, uma garrafa pet com água em temperatura ambiente e um fogão à lenha. Assim é a 'casa' em que Francisca de Souza Bruno, de 39 anos, mora há dois anos. O abrigo, construído com pedaços de madeira, coberto com papelão, lona e pedaços de palha, fica no lixão da cidade de Plácido de Castro, município distante 100 km da capital Rio Branco.
Ao ser questionada sobre o motivo pelo qual foi morar em meio a todo o lixo da cidade ela, que tem quatro filhos, cinco netos e é divorciada, explica que foi a forma que encontrou para sustentar a família. Francisca é responsável pela única renda da casa, que chega a pouco mais de R$ 600.
"Todos os dias eu vinha trabalhar aqui no lixão e voltava para a cidade, era uma hora de bicicleta para ir e uma hora para voltar. Era muito cansativo ter que ir e voltar, então decidi fazer o barraco e ficar por aqui", diz.Ela mantém uma casa alugada na cidade para os filhos
e netos morarem enquanto passa seus dias no lixão. Segundo a catadora, ela chega a passar até mais de 20 dias direto no local, e vai até a cidade somente para levar o dinheiro que conseguiu com a venda do material reciclável que separa do lixo.
"Agora já tem um homem que vem aqui buscar os sacos que eu junto. Antes era um pouco mais complicado. Eu tinha que juntar tudo e levar para a cidade para tentar vender o material. Quando consigo encher os sacos com garrafas, latinhas e fios, todos separados, ligo para ele que vem aqui pesar e me repassa o dinheiro", conta Francisca.
Como catadora, Francisca consegue faturar em média R$ 400 por mês. Fora esse recurso ela ganha pouco mais de R$ 200 pelo Bolsa Família. Ela conta que o material que dá mais dinheiro é o fio, mas afirma que é difícil encontrar jogado no lixo. "O que eles pagam melhor é o fio, mas o mais comum de encontrar aqui são as sacolas, pets, e latinhas de cerveja. Fio mesmo é como ouro", diz.
Sobre sofrer preconceito por morar em um lixão, ela conta que muitas pessoas não entendem o motivo e acabam olhando diferente para ela. "Mesmo assim eu não tenho vergonha da minha vida e do meu trabalho. Eu poderia estar fazendo qualquer coisa errada, roubando, vendendo drogas, mas não estou. Esse foi o jeito que encontrei de sobreviver e não passar fome. Gosto de morar e trabalhar aqui, pelo menos tenho como manter a minha família", relata.
A catadora diz que paga R$ 150 no aluguel da casa onde os filhos moram, no bairro Serraria, em Plácido de Castro, mas que já está devendo o aluguel e a dona da residência deu um prazo para que ela saísse da casa. Sem ter para onde levar os filho, caso sejam despejados, Francisca diz que o jeito vai ser levá-los para o lixão.
Há algumas semanas, a mulher encontrou R$ 50 quando separava o lixo. Ela conta que foi uma alegria. "Corri na cidade e comprei óleo, cinco quilos de arroz e carne. Deu pouca coisa, porque coube até em uma sacola só, mas ajudou muito. Sempre encontro algumas coisas aqui no lixão que dá para a gente usar, as pessoas jogam até comida. Eu acho saco de feijão, arroz e até carne. Além disso, tem muitos brincos, relógios e pulseiras, levo tudo para minhas filhas. Até o celular que eu uso encontrei aqui", diz.
Com uma calça, bota e boné para se proteger do sol, a catadora diz que não tem medo de ficar doente tendo contato direto com o lixo. Ela diz que nunca teve nada sério, somente uma gripe que, segundo ela, não cura.
"Eu não uso luva, porque não tenho. Só coloco mesmo quando encontro aqui pelo lixo, mas ela logo se acaba. Às vezes acontece de se machucar, as pessoas jogam copos de vidro quebrados e pratos e quando a gente vai abrir a sacola, acaba se cortando. Mas, é a única coisa", conta.
Ela diz que só se sente sozinha à noite, que é quando os outros catadores voltam para suas casas e ela fica no seu barraco. "Fico aqui deitada na minha rede, às vezes tem um amigo que dorme aqui também, mas na maioria das vezes estou sozinha. O barulho dos bichos é o que assusta mais, não sei se é macaco ou pássaro. Sempre acendo minha vela e leio a bíblia até pegar no sono", diz.
Para fazer comida, Francisca improvisou um fogão à lenha. Com uma grelha em cima de tijolos ela prepara o feijão e o arroz. O cardápio geralmente é só esse, ela diz que é difícil ter carne. Francisca diz que a água para fazer a comida ela pega na casa do amigo Manoel Pereira da Silva, de 64 anos, que mora a poucos metros do lixão e também trabalha no local há mais de cinco anos.
"Vou lá com alguns litros de garrafa pet e encho com água. É assim que eu lavo a louça e faço comida. O seu Manoel me deixa colocar água de beber na geladeira dele, daí às vezes dá para tomar uma água gelada. Quando faço comida, geralmente não como sozinha, porque chamo os outros catadores que ficam aqui durante o dia para comer comigo", relata Francisca.
Questionada sobre seu maior sonho, Francisca diz que é ter uma casa. "Meu maior sonho é conseguir uma casa, não importa onde seja, eu quero um lar que eu possa dizer que é meu para morar com minhas netinhas e filhas, até quando Deus me levar. Tenho medo de morrer antes de conseguir isso, e deixar minha família desamparada", diz emocionada.
O G1 entrou em contato com o secretário de Assistência social do município de Plácido de Castro, Jessé Matos, que informou que não tem conhecimento sobre o caso, mas que a secretaria vai até o local para verificar a situação e buscar dar o suporte necessário para Francisca.
"Sempre estamos indo até o lixão para acompanhar umas obras que estão sendo feitas por lá e nunca encontramos essa senhora. Estou indo no lixão novamente para tentar encontrá-la. Caso a gente a encontre, vamos retirá-la de lá com uma equipe de assistente social e psicólogos. Se ela não tiver parentes, e nem onde morar, vamos alugar um local por meio do aluguel social, e se não tiver como se alimentar, será providenciado a cesta básica. Vamos dar o suporte necessário para essa pessoa, para que ela viva com o mínimo de dignidade", informou o secretário.
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