Fernando Duarte
A polarização política no Brasil fez com que a divulgação de uma pesquisa de intenções de voto para as eleições presidenciais de 2018, divulgada em julho pelo CNT/MDA, destacasse a projeção de uma vantagem do senador Aécio Neves (PSDB) em uma eventual disputa com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no primeiro turno.
Mas o que despertou a atenção de analistas foi aparição do deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) em quarto lugar na preferência dos entrevistados naquele momento.
Apesar de seu nome figurar apenas nessa pesquisa, a presença de Bolsonaro pode reforçar a tese de alguns pesquisadores no Brasil e no exterior de que a chamada "insurgência política" - a ascensão de candidatos sem grande experiência política ou sem protagonismo no cenário nacional - também poderia permear a campanha presidencial de 2018.
O debate sobre a insurgência voltou a tomar conta da pauta política por força de dois fenômenos diversos, porém primos: o primeiro é o sucesso do bilionário sem papas na língua Donald Trump no início da disputa pela candidatura do Partido Republicano à eleição presidencial americana de 2016 (ele é o favorito entre eleitores republicanos nas mais recentes pesquisas).
O segundo fenômeno é o categórico triunfo do "esquerdista de carteirinha" e parlamentar rebelde Jeremy Corbyn na escolha do novo líder do Trabalhismo no Reino Unido - a principal legenda de oposição. Dois países em que a rigidez do sistema político pareciam ser à prova de maiores sacudidelas no status quoeleitoral.
A rigor, o Brasil já teve seu insurgente em 1989, quando Fernando Collor de Mello foi eleito presidente a bordo de uma legenda 'nanica' - o Partido da Renovação Nacional (PRN). Mas tinha sido deputado, prefeito e governador e vinha de uma das famílias mais poderosas do Nordeste, que ainda é dona de uma emissora afiliada à Rede Globo.
"De certa maneira, a grande surpresa é que o Brasil ainda não tenha produzido algo mais parecido com o que estamos vendo agora. Já que, como ficou provado com a eleição de Collor, o sistema político brasileiro tem bem mais partidos e menos barreiras para uma candidatura. Mas o cenário continua fértil, e um exemplo são as movimentações para a eleição municipal em São Paulo", explica Anthony Pereira, diretor do Brazil Institute, do King's College, em Londres, referindo-se ao número de possíveis candidaturas sem "políticos profissionais" para o pleito do ano que vem.
Entre os exemplos estão as possíveis candidaturas do apresentador de TV José Luiz Datena e, curiosamente, do empresário João Dória Júnior, que durante uma temporada apresentou a versão brasileira do programa O Aprendiz, o mesmo que transformou Trump em celebridade midiática quando foi ao ar no início da década passada nos EUA.
Pereira argumenta que, embora tenha diferenças fundamentais na política partidária, Brasil e EUA apresentam condições similares de "temperatura e pressão" para o aparecimento de candidatos insurgentes.
"Estamos falando de desilusão com o discurso político tradicional, com a falta de solução para os problemas que afetam suas vidas. O eleitorado não quer mais scripts e marketing, especialmente as faixas mais jovens. Por isso é que Trump tem encontrado respaldo junto aos eleitores republicanos nos EUA. Mesmo quando fala absurdos como construir um muro para impedir a entrada de imigrantes ilegais."
"Para muita gente, esse tipo de declaração mais radical pode parecer extrema, mas encontra ressonância com parte do eleitorado, em especial o que não se vê representado pelos políticos tradicionais", diz o cientista político britânico Tim Bale. "Mesmo que seja absurda a ideia de que um político como Trump vá conseguir resolver problemas complexos com promessas absurdas."
Bale vê o que chama de facilidade para o surgimento de insurgentes na corrida eleitoral brasileira. "O descontentamento com a classe política é um fenômeno geral e é relativamente simples para um candidato sem experiência 'minar' a classe 'profissional'. Nesses tempos em de mídia 24 horas e 7 dias por semana, alguém com carisma pode facilmente ganhar adeptos e apoio", explica Bale.
Coração
Para os especialistas ouvidos pela BBC Brasil, há poucas dúvidas de que a tendência mais provável no Brasil é a do surgimento de candidatos mais à direita do espectro político, especialmente por causa do desgaste da imagem do Partido dos Trabalhadores depois de quatro mandatos. Pereira, no entanto, alerta que isso pode ser uma surpresa para quem vê o "gol aberto" para um retorno do PSDB ao poder em 2018.
"É possível que a eleição de 2018 pela primeira vez desde 1994 não se limite ao confronto entre PT e PSDB. O atual clima político no Brasil me faz pensar que poderemos ver o surgimento de uma alternativa à direita do PSDB. Especialmente se a disputa pelo candidato presidencial do partido reunir os candidatos que vêm participando do processo há bastante tempo (Aécio Neves, José Serra e Geraldo Alckmin, por exemplo). É preciso lembrar que a desilusão com os políticos não atinge apenas o PT."
Na esquerda, entretanto, o exemplo britânico de Jeremy Corbyn, que venceu a eleição para líder trabalhista ao adotar uma postura que contrastou com a guinada para o centro adotada pela legenda e responsável por três vitórias seguidas nas eleições parlamentares britânicas (1997, 2001 e 2005), pode servir de inspiração para uma insurgência do outro lado do espectro político.
"Eleitores não são tão racionais quanto acreditam os cientistas políticos. Votam muito mais com o coração. A ascensão de Corbyn tem muito a ver com isso, uma espécie de 'banana' para a classe política de maneira geral. A esquerda já mostrou que pode capitalizar, como ocorreu na Grécia (onde a coalizão esquerdista de pequenos partidos Syriza venceu duas eleições parlamentares)", diz Bale.
Os recentes eventos no trabalhismo britânico, porém, também foram marcados pela decisão dos membros do partido de renegar as vitórias recentes e a figura do ex-premiê Tony Blair, que governou o Reino Unido entre 1997 e 2007. Para Anthony Pereira, as maiores chances de insurgência na esquerda residem em processo semelhante.
"O PT precisa de alguém que revitalize a legenda. O trabalhismo britânico está tentando fazer isso: se livrar do 'Blairismo' mas guardar a parte boa de seu legado político. O mesmo poderia acontecer com um PT pós-Lula: uma partida sem esquecer conquistas como as melhorias sociais."
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