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domingo, 8 de setembro de 2013

RAÍZES DA TELEVISÃO BRASILEIRA.


Fernanda Montenegro e Tarcísio Meira falam de suas longas carreiras, da evolução das novelas e do final de Candinha e Tibério em "Saramandaia": os dois personagens fantásticos se transformarão em árvore

José Mayer, Lilia Cabral e Lívia de Bueno aguardam, sentados no estúdio, para gravar sua parte nas cenas da sequência final de Tibério (Tarcísio Meira) e Candinha (Fernanda Montenegro) em "Saramandaia". Enquanto assistem à dupla de atores em ação, não economizam nos comentários:

Mesmo com mais de 50 anos de carreira, a dupla só contracenou três vezes na TV (incluindo a atual versão de "Saramandaia")

Lilia brinca com Mayer: "Imagina, será que quando eu tiver 80 e você 89 nós vamos ser assim?" O ator devolve a brincadeira observando o comportamento de Tarcísio em cena. "Ele é formal, né? Tem uma coisa de ser o fundador de tudo isso aqui que é muito forte. Ele não é bagaceiro que nem a gente", diz, arrancando risos das colegas.

A reverência a Tarcísio Meira e Fernanda Montenegro é inevitável. Com 77 e 83 anos respectivamente, e carreiras mais longas do que a própria história das telenovelas - que completam 50 anos em 2013 -, eles são dois dos nomes mais conhecidos do País. As trajetórias na TV e no cinema - e, no caso de Fernanda, especialmente nos palcos - chegam a provocar nervoso nos colegas mais jovens. Mas a sensação passa rápido, eles garantem.

"É quase normal isso, porque desde que nasceram, eles me veem na televisão. No início, fica uma certa distância. Mas eu procuro imediatamente desfazer qualquer coisa e me tornar um colega", conta Tarcísio. Fernanda completa: "É uma ilusão achar que nós sabemos o caminho das pedras. O que a gente tem é uma sobrevivência nessa profissão que, claro, vai te dando uma técnica. Mas logo a gente se comunica e acaba a fantasia. No fim de um mês, já somos todos amiguinhos".

Processo de gravação

Na cena que vai ao ar no dia 17 de setembro, Candinha e Tibério finalmente ficam juntos após uma vida de desencontro e romance frustrado. Com um detalhe: o casal se declara, se beija e, enfim, juntos, viram uma árvore. A sequência - que na TV não deve ter mais do que alguns minutos - levou mais de três horas para ser gravada.

"Quando inventei os dois personagens, o final deles surgiu naturalmente. Queria uma situação forte, mágica e poética. Pela primeira vez na TV brasileira, um casal se transforma em árvore. E que casal! É uma honra escrever para Fernanda e Tarcísio. São também queridos companheiros de trabalho, são simples, disponíveis, profissionais, educadíssimos", elogia o autor da nova versão de "Saramandaia", Ricardo Linhares.

O segundo encontro dos personagens em "Saramandaia". O primeiro foi promovido pelos netos, por meio de um tablet

A história das paixões complicadas de três gerações de famílias rivais ganhou mais estofo por causa da dupla, conta Linhares. Ele escreveu outras duas cenas de encontro de Tibério e Candinha - uma através de um tablet e outra pessoalmente - porque seria "um desperdício Fernanda e Tarcísio só contracenarem no momento em que se transformam em árvore":

"Quando eles aceitaram o convite, mudei os personagens. Na sinopse, Candinha era ´apenasmente´ uma mulher ´caduquenta´, que conversava com galinhas imaginárias sobre um amor do passado. E Tibério vivia isolado, sem se importar com o que acontecia ao redor. Eu cresci os personagens em função da grandeza dos atores. Transformei-os em líderes das suas famílias, com autoridade".

Os personagens de Fernanda e Tarcísio fazem parte da grande esfera de "Saramandaia" criada para a nova versão. Mas, como foram espectadores do folhetim de Dias Gomes, em 1976, eles apontam outras diferenças: "Na versão do Dias, o realismo fantástico não era tão farsesco. Esse nosso é todo uma farsa. Há uma alegria grande nesta versão, uma exuberância de cores. A primeira novela era mais escura", opina Tarcísio Meira.

Fernanda compara os contextos históricos: "Naquele momento, ´Saramandaia´ tinha um simbolismo, com as facções dos libertários e dos fascistas. Mas, hoje, a novela fala mais do preconceito em geral do que de política".

Guerra dos Sexos". Paulo Autran e Fernanda Montenegro eram Otávio e Charlô. Tarcísio Meira era o Felipe da novela de Silvio de Abreu
Poucas parcerias nas TV

Embora sejam donos de carreiras tão prolíficas na TV, esta é apenas a terceira vez que Fernanda e Tarcísio se encontram em cena. Na primeira versão de "Guerra dos sexos", de Silvio de Abreu, em 1983, ela era a matriarca Charlô e ele, seu filho adotivo, Felipe. Já em "Brilhante", de Gilberto Braga, de 1981, Fernanda vivia a vilã Chica Newman, enquanto Tarcísio era seu genro, Paulo César. A atriz, aliás, tem uma lembrança engraçada do final de sua personagem na trama.

"Eu era a peste daquela novela. E naquele tempo era assim: o castigo para a mulher peste podia ser morrer, ficar paralítica ou ficar sem homem. Esta última era talvez a maior desgraça. A Chica era tão peste que o Gilberto não queria que ela acabasse com homem de jeito nenhum. Colocou-a louca de amor pelo motorista (vivido por Claudio Marzo). A novela acabou, fiquei sem motorista, fui para casa. Uns dias depois, recebi a ligação: queriam que gravasse outro final. Não tinha nem mais cenário. A cena foi gravada numa joalheria. O motorista me busca e vamos embora juntos. Esse foi o único caso diferente de que me lembro: acabei com um homem, mesmo sendo peste", conta rindo.

De lá para cá, muita coisa mudou na teledramaturgia. Mas, independentemente das evoluções, os dois atores concordam que o gênero foi e continua sendo de vital importância para o povo brasileiro. "Você pode até discutir que não é uma coisa altamente sofisticada, mas a novela leva uma comunicação de brasilidade ao país todo", destaca Fernanda.

A capacidade de refletir na tela costumes e desejos do espectador é um dos trunfos dos folhetins, acredita Tarcísio. "As novelas sempre trouxeram uma coisa de proposta, de novidade. Sempre achei que os autores procuram interpretar um anseio coletivo e adormecido que, às vezes, vendo a novela, o espectador diz: ´Poxa, isso é verdade´ ", opina.

Na trama "Brilhante", de Gilberto Braga, Tarcísio interpretou Paulo César, marido de Isabel (Renée de Vielmond), filha de Chica (Fernanda Montenegro)

Novos recursos
A tecnologia empregada em momentos da trama de "Saramandaia" é um indício das mudanças, opina Fernanda: "Imagina, esse nosso final virando árvore vai vir com muito mais qualidade do que seria feito anos atrás. Eu revi ´Tubarão´ há pouco tempo. E olha que é cinema, americano, Spielberg! Fiquei boba de a gente ter medo daquele tubarão. Hoje a gente tem muito mais recursos nessa área".

Tarcísio diz que tudo isso só desmente a velha máxima que ele diz ouvir há 50 anos: que as novelas vão acabar. "Que nada. As novelas têm um poder de renovação fantástico. Há um tempo atrás, confesso que eu mesmo estava desmotivado. E aí veio ´Avenida Brasil´. E as meninas de ´Cheias de charme´. São trabalhos extraordinários".

Mas é claro que nem tudo são flores, diz Fernanda: "Hoje as cenas são mais curtas, mas os capítulos maiores. Com sei lá quantos intervalos comerciais, acaba sendo uma hora de texto para se decorar por dia. Por semana, são umas 50 páginas de roteiro se você tem um papel sólido numa novela. É exaustivo. Não é só resistência física, mas também psíquica e de talento para levar isso à frente".

Já Tarcísio diz ser chatíssimo gravar sentado o tempo inteiro - o Tibério, de "Saramandaia" é um homem que criou raízes, literalmente. "A bota é pregada no chão, é um custo para eu sair do lugar. É chato mesmo", explica.

No entanto, a bem-humorada Fernanda, que precisou contracenar com cerca de 40 galinhas nas cenas de Candinha ("Achei que elas viriam pela tecnologia, mas elas corriam pelo estúdio e eram bem histéricas", conta), minimiza as reclamações. "Mas como nascemos para isso, essas complicações a gente aceita".

THAÍS BRITTO
AGÊNCIA O GLOB
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