Tramita na Câmara de Fortaleza um Projeto de Lei que obriga as maternidades e hospitais a permitirem a presença de doulas durante o trabalho de parto
Carolina Trinta é um desses exemplos. Formada em psicologia, utiliza o conhecimento no auxílio emocional das futuras mamães, dando atenção muitas vezes negada por outras pessoas. “É umtrabalho de amor, de entrega. Cada vida que você acompanha, você aprende muito. Cada mulher que você acompanha, você engravida junto com ela, respira junto, torce junto. É um trabalho de cuidado e de entrega”, define.
Entre as boas lembranças de seu trabalho, Carolina relembra as sensações e reações das mães na hora do parto. “Uma mãe, assim que teve o bebê, me disse: ‘Que coisa maravilhosa, que coisa boa, quero de novo’. E foi um bebê de quase 5 quilos, 53 centímetros e sem anestesia. Tenho gravado isso”.
Após o parto, o vinculo não é necessariamente quebrado. É tanto que Carolina ainda recebe fotos de crianças, que viu nascer de perto, já com 5 ou 6 anos. “A doula é pouco pediatra, um pouco mãe, um pouco avó. Às vezes, ligam para mim para perguntar umas dicas ou experiências”, arrisca.
A disponibilidade dessas profissionais precisa ser grande. Elas acompanham todo o trabalho de parto, desde o domicílio até o hospital. O trabalho em equipe auxilia no momento de aperto, como o de duas ou mais grávidas entrarem no mesmo dia em trabalho de parto. “Por isso que temos que trabalhar em equipe e ficar informando sobre quem acompanhamos”. O valor para a contratação de uma doula durante os intensos nove meses varia entre R$ 200 e R$ 900.
Tradição familiar
Jéssica Arraes é autônoma e uma das mamães que escolheu o parto humanizado. Ela ainda foi mais além: decidiu ter o filho em casa e sem intervenção médica. “Minha avó era parteira, eu nasci em casa e tem muita gente da minha família também nasceu assim. Eu queria manter essa tradição, queria que meu filho nascesse em casa”, relata.
Marinheira de primeira viagem, Jéssica se surpreendeu, no oitavo mês de gestação, quando o médico aconselhou a fazer uma cesariana. “Ele disse que ninguém tem parto normal hoje em dia”. Decidida a ter o filho em casa, ela pesquisou na internet e encontrou o serviço das doulas, quase aos 45 minutos do segundo tempo. Após três dias do primeiro contato, a bolsa rompeu. Foi o momento em que as doulas precisavam agir.
“Acho que o parto normal é o real sentido de dar a luz. Foi tudo como eu queria. Eram duas doulas e elas me ajudaram muito. Eu escutei um CD do Caetano Veloso, fiz exercícios, me concentrei bastante para esse momento. Na hora, tem a dor, porque não tem anestesia, mas tudo passou. Me deu vontade de ter outro filho”, confidencia.
Movimento profissional
Quando Carolina iniciou o serviço, há sete anos, não havia muitas doulas por Fortaleza, nem cursos especializados nessa ocupação. Entretanto, recentemente, o trabalho está se espalhando e mais pessoas estão interessadas em participar e ajudar. “Somos poucas e trabalhamos em equipe. Atuando tem cinco e mais um grupo de 15 a 20 que estão recebendo formação. Acho que não é um trabalho que o público se interessa”, considera.
Mesmo com um exército de poucos soldados, as doulas enfrentam um grande obstáculo na cidade: falta de estrutura para partos normais. Para Carolina, os hospitais privados, diferentemente dos públicos, são os que menos tem estrutura para receber grávidas que não optaram por cesárias. “O hospital particular tem zero cultura de parto normal”.
Outra empecilho é a questão do acompanhante. Toda gestante tem direito a um acompanhante na hora do parto. O que as doulas querem deixar claro é que elas não estão apenas acompanhando a mulher, mas fazem parte da equipe de saúde. “Nesse caso, nos hospitais particulares já entramos como equipe, mas nos públicos somos as acompanhantes, tirando a oportunidade de outra pessoa estar lá”.
Sobre preconceitos que possam ter sofrido por não serem obstetras, Carolina explica que o que há é desconhecimento. “Muitas vezes, as pessoas não sabem quem somos, nos olham como se fossemos alienígenas. Mas tudo isso é fruto da ignorância”, pontua.
Projeto de lei
Tramita na Câmara Municipal de Fortaleza um Projeto de Lei que obriga as maternidades e hospitais de Fortaleza a permitirem a presença de doulas durante o trabalho de parto e pós-parto, quando solicitados. O projeto regulariza a situação dessas mulheres na rede pública e privada.
A questão está em debate porque não uma legislação sobre o assunto. “É uma decisão da administração do hospital. Depende da questão administrativa, das normas, dos regimentos”, explica o primeiro-secretário do Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará (Cremec), Fernando Queiroz Monte.
Até agora o Cremec não registrou problemas com doulas. “Se houver abuso ou infecção devido a alguma má condução do programa de parto humanizado, o diretor técnico do hospital vai ter que responder”, acrescenta.
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