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domingo, 21 de dezembro de 2014

FANTÁSTICO VISITA LUGARES QUE FORAM DEVASTADOS POR TSUNAMI HÁ DEZ ANOS.


Repórter vai à Indonésia e entrevista família que diz ter reencontrado os filhos anos depois que a onda fatal os separou.

fonte:Fantástico /tempo da noticia
Um dia depois do Natal de 2004, o mundo foi apresentado a uma palavra que, até então, só os especialistas conheciam: tsunami. Ondas gigantescas atingiram 14 países. Foram quase 290 mil mortos. Na época, os enviados especiais Marcos Uchôa e Sérgio Gilz encontraram um cenário de devastação.
Dez anos depois, o Fantástico volta à região mais destruída, os repórteres Álvaro Pereira Júnior e Marcelo Benincassa estiveram na província de Átche, na Indonésia.
Hoje, tudo melhorou. Mas algumas marcas da tragédia vão continuar pra sempre.

Domingo, 26 de dezembro de 2004, um dia depois do Natal. Cinco para as oito da manhã. No sudeste da Ásia, banhado pelo Oceano Índico, era o começo de mais um dia ensolarado na praia.

Mas os primeiros banhistas encontraram um mar estranho. Parecia que o oceano tinha secado. Até que, de repente, a água voltou com tudo. Era um tsunami. As primeiras imagens a rodar o mundo vinham da Tailândia -dos países impactados, era onde havia mais turistas, mais câmeras, mais infraestrutura para transmissão.

Repórteres contam sobre os bastidores da reportagem na Indonésia; veja o vídeo
Mas, poucos minutos antes, uma outra região, em outro país, a Indonésia, tinha sido ainda mais atingida. Primeiro por um terremoto de 9,1 na escala Richter, o terceiro mais forte de todos os tempos. E, logo depois, também pelo tsunami. Essa área era a desconhecida província de Aceh - capital, Banda Aceh, uma pontinha no extremo noroeste da Indonésia. Por ali, arrastados pelas águas, Jamália, Septi e seus filhos lutavam pela vida.
“Quando o terremoto aconteceu, nós saímos de casa. Meu marido subiu na moto com meus filhos e de repente as pessoas começaram a gritar ‘as ondas do mar estão vindo’”, lembra Jamália Rangkuti.
“Eu só queria salvar os meus filhos. Consegui colocar dois em uma tábua que passou flutuando, mas a onda veio e levou”, conta Septi Rangkuti.
Tudo isso aconteceu... Já faz uma década! Dez anos depois, é para Banda Aceh que a gente vai. Como é que está hoje a região que foi mais afetada pelo tsunami? As cidades foram reconstruídas? E as pessoas, superaram o trauma? Para descobrir nós vamos cruzar o mundo, vamos para Indonésia. Vamos logo, porque a jornada é longa.
Finalmente chegamos a Banda Aceh, praticamente dois dias e meio depois de termos saído do Brasil. Para quem sai da América do Sul, a Indonésia fica do outro lado do mundo. Tem 240 milhões de habitantes, mais que o Brasil. E é formada por nada menos que 18 mil ilhas! É numa das maiores, Sumatra, que fica Banda Ache.
De cima, dá para ver que Banda Aceh é uma cidade cercada de água. O Oceano Índico, rios, arrozais, áreas de mangue. Se um maremoto traria destruição a qualquer lugar costeiro, em Banda Aceh, tão vulnerável, foi pior.
O tsunami foi causado por um terremoto no fundo do mar, a apenas 250 quilômetros da província de Aceh. Duas das placas que formam a terra se chocaram, num movimento vertical. Isso causou um deslocamento muito grande de água. Era o começo do tsunami. Em alto mar, perto do centro do terremoto, o tsunami pode ser só umas ondinhas, que passam por baixo de um barco e os tripulantes nem percebem.
Mas essas ondas se deslocam muito rápido, a quase mil quilômetros por hora, a velocidade de um jato comercial. Quando o tsunami chega a águas mais rasas, o atrito com o solo faz a velocidade diminuir um pouco. Em compensação, para manter a energia, as ondas vão ficando cada vez mais altas. É essa parede de água, com um volume imenso, que invade a costa.
Foi o que aconteceu na Província de Aceh, onde todo mundo tem uma história para contar. Algumas, menos trágicas, como a da professorinha Mariana, de 28 anos, que hoje cuida de uma creche e ganha R$ 25 por mês: “Eu ouvi o terremoto, ouvi as pessoas tentando se salvar e, 15 minutos depois, as ondas levaram tudo. Encontrei a minha família na mesquita e deu tempo de a gente correr para a montanha”.
Mas outros relatos são devastadores. Surya, de 19 anos, perdeu o pai, a mãe e quase toda a família. “Eu tinha 16 irmãos. Agora tenho quatro. Os outros morreram no tsunami. Eles morreram tentando escapar da casa”, conta ele.
O senhor Saleh, diretor de escola, perdeu dois de seus três filhos.
Um deles, o mais novo, ele chegou a ter nos braços, mas a água levou. “Eu vi uma onda enorme e ela me acertou com um barulhão, como uma bomba. Eu afundava e subia, estava em pânico. A onda levou o meu filho dos meus braços. Só rezei para ficar calmo e deixar a água me levar”, diz Mohammed Saleh
Segundo o Banco Mundial, dos 286 mil mortos pelo tsunami, em 14 países, 221 mil foram na província de Aceh. Desses, 60 mil só na cidade de Banda Aceh.
Para complicar, esta região, de meio ambiente selvagem, dezenas de praias desertas, e muitas, mas muitas mesmo, belezas naturais, vivia isolada do mundo, mergulhada numa guerra civil que buscava independência da Indonésia. Por causa do conflito, o turismo era praticamente zero, só uns poucos surfistas aventureiros.
“Uma vez, na época da guerra, os militares chegaram de barco, botaram a arma na minha cabeça e me mandaram sair do mar. Eles engatilharam e deram ordem pra eu me mandar”, relata o surfista Pete Kennelly.
Com uma situação dessas, o tsunami de 2004 pegou em cheio uma região com quase nenhuma estrutura, esquecida até pelo governo do seu país.
Organizações humanitárias do mundo inteiro correram para o local. “A sensação de desorganização e de falta de estrutura total. Foi esse o cenário que todas as organizações humanitárias quando chegaram encontraram. As pessoas fugiam em direção às montanhas, mas elas também precisam de abrigos e de locais que pudessem ter condições básicas de sobrevivência”, diz Anette Trompeter, diretora da Plan International Brasil.
 
Deu certo. Os grupos de ajuda organizaram as famílias, reconstruíram casas e estradas, criaram empregos. E a guerrilha, depois de três décadas, finalmente assinou um acordo de paz. Hoje, passados dez anos, muita coisa mudou na província de Aceh - para melhor.
Uma rua ficou muito marcada na época do tsunami porque foi nela que as equipes de resgate alinharam centenas e centenas e centenas de corpos. Tudo no asfalto mesmo, porque não havia nem onde guardar. E olhar para tudo isso aqui agora, reconstruído, traz uma mensagem muito forte de que, de certa maneira, Banda Aceh depois do tsunami se transformou numa cidade melhor.
“Depois do tsunami, Aceh quase desapareceu. Mas o povo continuou otimista. Com as construções e com a ajuda dos outros países, incluindo vocês do Brasil, hoje Aceh é a província mais conhecida da Indonésia”, afirma o imã Jamhuri Ramli.

A onda de destruição passou bem ao lado da mesquita do imã Jamhuri Ramli.
Aquelas cenas tão marcantes de uma onda de água negra gigantesca entrando pela cidade e devastando tudo, foram filmadas do muro da principal mesquita da cidade, da grande mesquita. E o cinegrafista teve calma suficiente para registrar aquelas imagens que são tristemente lembradas até hoje.
“Nós nunca culpamos Alá, nós cremos n'Ele. Tudo foi uma dádiva de Alá”, diz Jamhuri Ramli.
No país mais muçulmano do mundo, a Indonésia, essa é a região mais muçulmana. Nada menos que 98,5 % da população segue o islamismo. Em uma região superimportante de comércio, por exemplo, às vésperas do Natal, não tem nenhuma referência ao Natal. Não tem luz, não tem árvore, não tem Papai Noel, nada que lembre a festa cristã. 
Não existe venda de álcool. Os amigos saem para tomar café, suco e sorvete. É proibido namorar em público, nem mão dada é aceita. Mulheres não podem vestir roupas justas e todas usam véu. Nenhum homem veste bermuda, mesmo fazendo mais de 30 graus o ano todo. Como mostram algumas imagens aéreas, até para entrar no mar é de roupa e tudo.
E existe uma polícia especial. A polícia da lei islâmica, a sharia. Ela cuida da moral e dos bons costumes. Às sextas-feiras, o que sai à rua é esse batalhão, é um batalhão especial formado só por mulheres. Como sexta-feira é um dia santo para os muçulmanos, o principal que elas fazem é ficar chamando os homens que estão na rua para eles irem para a mesquita rezar. Elas mandam fechar os comércios.
Sexta-feira, quase uma hora da tarde, é hora de homem estar na Mesquita em Banda Aceh. Hoje, dez anos depois do tsunami, a cidade intensamente religiosa retomou a rotina.
 
A ponte, que nos dias da tragédia ficou lotada de entulho, voltou ser um dos principais pontos de tráfego. A mesquita que o mundo viu cercada de devastação foi reformada. E o vilarejo em volta, reconstruído. Tantos e tantos cenários, onde antes só havia destroços, hoje estão refeitos.
Só alguns sinais de destruição foram mantidos. Como um barco pesqueiro, que veio parar em cima do teto de duas casas, arrastado pela força do tsunami. Ele estava no porto sendo consertado e a força das ondas fez com que ele se deslocasse um quilômetro. O lugar está preservado, é uma espécie de memorial. É a única coisa a destoar em um bairro pacato, comum.
O que não voltava ao normal era a vida de Jamália e Septi. Eles não se conformavam com a perda de dois dos quatro filhos, Rauda e Arif. Septi mergulhou na depressão. Até que, no dia 28 de junho de 2014, o telefone tocou. “Meu irmão meu ligou e disse que encontrou na rua uma menina no vilarejo dele. E que ela era a minha menina. Eu não acreditei, mas ele insistiu: por favor, por favor, eu acho que é a sua menina. Então ele mandou uma foto. Era a nossa filha”, conta Jamália.
Os vizinhos juntaram dinheiro para que o casal viajasse para ver a jovem, hoje com 14 anos. “Eu vi a foto no meu celular e eu tive certeza que era a minha filha. Quando ela entrou na sala, meu coração batia muito, muito forte. E choramos todos juntos”, lembra Septi.
A história chamou a atenção da imprensa. Em entrevistas na TV, Jamália contou que um outro filho ainda estava desaparecido: “Depois que encontramos a Rauda, eu tinha certeza de que Arif ainda estava vivo. E na TV eu disse que ainda estava procurando o meu filho. Uma mulher, que estava cuidando de Arif numa outra cidade, tirou uma foto da TV e mostrou para ele. E ele disse: é a minha mãe! A mulher procurou o repórter e o repórter procurou a gente. Quando eu falei com o menino no telefone, ele ouviu a minha voz e disse: mãe, por favor, vem me buscar”.
O rapaz também tem uma pequena cicatriz do nariz, que a mãe diz ser de uma queda na infância. Já a da testa, segundo o menino, é mais recente, quando jogaram água fervendo nele, em uma época em que morava na rua. Jamália e Septi têm certeza de que os dois adolescentes são as crianças pequenas que eles perderam nas ondas há dez anos, mas nunca fizeram um teste de DNA. “Nós faríamos, claro. O teste de DNA é um instrumento da ciência, mas eu sei no meu coração que são os meus filhos. Nós acreditamos que é um milagre de Alá”, diz Jamália.
A família se mudou para as montanhas, bem longe do mar e das marcas deixadas pela natureza.
Tocos de madeira que parecem sair da água, na verdade, são o que restou de centenas de coqueiros que ficavam na areia. Só que as ondas devastadoras vieram, acabaram com as árvores e, onde antigamente era praia, hoje é mar.
“Eu estava surfando a uns 500 metros da costa, olhei para baixo e vi um brilho verde, lindo. Achei que fosse algum tipo novo de coral. Mas aí mergulhei para olhar mais de perto... E era o piso de uma casa! Existem muitos restos de casas no fundo do mar”, diz o surfista Pete Kennelly.
A centenas de quilômetros do oceano, no vilarejo distante onde moram agora, Jamália e Septi finalmente voltaram a ter uma vida normal: com o filho mais velho, que sempre esteve com eles, com o mais novo, que nasceu depois do tsunami, e com os dois do meio, que se juntaram este ano à família.
 
“Nos últimos dez anos, eu nunca esqueci dos meus filhos. Eu sempre soube, do fundo do meu coração, que eles estavam vivos. E eu ficava aqui, pensando no tsunami, porque eu tentava, mas não conseguia esquecer”, afirma Septi.
Mais um dia começa no Sudeste da Ásia. Sob as bênçãos de Alá, dez anos depois de um dos maiores desastres da história, a vida segue em Banda Aceh.
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